Elizabeth Salazar Vega
Fotos: Marco Garro
É madrugada no Barrio Chino, um dos assentamentos humanos da região costeira de Ica, no Peru. Quase não há iluminação pública nas ruas, apenas frio e silêncio, mas tudo muda às 4 da manhã. Da escuridão, surgem mulheres com bebês em um braço e crianças maiores no outro. Elas caminham rapidamente, bem agasalhadas e com mochilas nas costas. São mães que precisam deixar os filhos na casa de vizinhos ou parentes e correr para os pontos de ônibus onde são recrutados trabalhadores para as plantações de agroexportação, um negócio milionário que, somente em 2024, gerou aproximadamente 2 bilhões de dólares com a venda de uvas, tangerinas, mirtilos e outras frutas.
– Desbrota da uva! Poda, poda! Embalagem! Preciso de trinta para embalagem!
Os gritos dos recrutadores se misturam às vozes dos vendedores ambulantes que também acordam cedo para oferecer café da manhã. Dezenas de vans e ônibus esperam nas proximidades, com os motores ligados, prontos para partir até uma das 288 empresas agrícolas que operam nessa região desértica. Apesar da escuridão, é possível avistar a multidão se aglomerando em torno desses recrutadores. Homens e mulheres, atraídos pela oferta, empurram uns aos outros para se aproximar deles e entregar seus documentos de identificação.
– Vinte e nove! Trinta! Completo! Fechamos! – diz o recrutador, enquanto os selecionados vão subindo no ônibus. Quando amanhecer, todos os veículos terão partido para as propriedades, levando consigo a oportunidade de ganhar o salário do dia.

Neste negócio, as mulheres são mais procuradas para tarefas que exigem precisão e destreza manual, como podar cachos, colher frutas delicadas ou classificar e embalar produtos. Uma tarefa que responde aos estereótipos de gênero e à suposição de que elas estão mais dispostas a aceitar empregos temporários. A verdade é que, em Ica, não há outro trabalho que lhes permita ganhar o mínimo necessário para sustentar seus lares.
São mulheres que usam horas de sono para dividir seu tempo entre a agricultura e as tarefas domésticas, como cuidar de filhos e parentes doentes ou idosos, e que trabalham expostas a diversas formas de violência. Uma pesquisa realizada pela Comissão de Direitos Humanos de Ica (CODEH-ICA) com 145 trabalhadoras da agroexportação revela que 41% delas já haviam sofrido violência psicológica e maus-tratos relacionados a pressões para aumentar a produtividade. Além disso, 65% relataram ter sido vítimas de assédio sexual por parte de supervisores, capatazes ou engenheiros. O estudo, realizado em 2024, também destaca o impacto dessas jornadas de trabalho sobre a saúde: 19% das entrevistadas relataram sentir dores na coluna e 9%, nos joelhos, devido aos movimentos repetitivos e à má postura associados ao trabalho no campo. Dezessete por cento disseram ter fadiga visual e um pequeno grupo relatou intoxicação por pesticidas.


Outra doença recorrente e pouco discutida são as infecções urinárias: 52% das trabalhadoras entrevistadas disseram já ter sofrido delas. Os banheiros ficam nas extremidades das propriedades, cerca de 15 minutos ou mais para ir e voltar, um tempo que elas não podem gastar se quiserem cumprir sua cota diária. Por isso, preferem não beber água nem ir ao banheiro.
– E não é só a distância, alguns banheiros são nauseabundos. Tem uns que são buracos cheios de insetos. Outras empresas instalam banheiros portáteis de plástico. Você sabe como é entrar lá nesse calor? Entrar lá depois que milhares de pessoas já usaram? Um forno, totalmente nojento! – diz Maribel.
Maribel não é o nome verdadeiro dela, nem das outras trabalhadoras que mencionamos nesta reportagem, porque elas temem ser demitidas. Em Ica, conversamos com mães e cuidadoras, com jovens e adultas, com migrantes amazônicas e andinas, e com trabalhadoras sindicalizadas e independentes. Buscamos entender como funciona o elo mais fraco dessa milionária cadeia produtiva.
A saúde ou o dinheiro
Em Ica, as ofertas de emprego são anunciadas em grupos do Facebook e WhatsApp ou em pontos de ônibus nos assentamentos urbanos de Barrio Chino, El Álamo, Expansión Urbana, Santiago e Parcona, bairros localizados à beira da Rodovia Pan-Americana Sur, a cinco horas da capital peruana, em pleno deserto costeiro. As estradas são empoeiradas e sem pavimentação. Existem casas de tijolo inacabadas, mas também há várias sustentadas por paredes feitas de esteiras de palha ou compensado, e com telhados de zinco. As noites são inseguras devido à falta de iluminação pública, e a água potável só está disponível três vezes por semana.
Os recrutadores chegam lá. Todas as madrugadas, eles usam megafones para anunciar as vagas disponíveis e, de passagem, explicar as tarefas que trabalhadoras e trabalhadores devem realizar para cobrir o salário básico e o pagamento por produção. Não há possibilidade de negociação. Se aceitarem, são levados de ônibus até as plantações, onde representantes das empresas os aguardam com contratos prontos para assinar, com duração de dois ou três meses.

Menos de uma dúzia das 288 agroexportadoras de Ica têm pessoal fixo, trabalhadores que ficam em uma lista de espera e chamados toda vez que a safra recomeça. Os demais estão em alerta constante, atentos às convocatórias feitas por empresas e recrutadores.
Bertha, por exemplo, trabalha temporariamente na desbrota da uva. Todos os dias, ela sai de casa com óculos de proteção, tesoura e boné, que deverá protegê-la durante as oito horas que ela passará sob o sol, em temperaturas de mais de 35 graus, cortando e limpando as frutas que serão servidas em mesas dos Estados Unidos e da Europa. Quando perguntamos sobre seu contrato, ela lembrou que os documentos lhe foram enviados por e-mail, ao qual nem todas têm acesso devido às deficiências tecnológicas. Porém, quando conseguiu abrir, as palavras não tinham sentido devido ao seu baixo nível de escolaridade.
No fim da tarde, Bertha retorna à sua casa de compensado com um pagamento mínimo de 48 soles no bolso – cerca de 13,3 dólares por dia, dependendo da taxa de câmbio. O valor inclui salário básico, benefícios proporcionais, o desconto da pensão e o Bônus Beta. Este último é uma contribuição equivalente a 30% dos honorários e foi aprovada pelo governo em 2021, como resultado da Greve Agrária promovida pelos trabalhadores do agronegócio para reivindicar melhores condições de trabalho.
No entanto, o que parecia um aumento salarial se transformou em sobrecarga de trabalho: antes, eles podavam cerca de 80 pés por dia para atingir a remuneração básica; após a Greve Agrária, a cota foi aumentada para 120, mas se a tarefa for a desbrota ou o corte de frutos, são exigidos 200 pés ou mais.

– Eles aumentaram o nosso esforço físico”, diz Bertha, que trabalha no campo há 12 anos. – Se você não atingir a meta, demitem no primeiro dia, sem pagamento, porque dizem que nós estamos em experiência. (…) Quem tem mais de 35 anos já não tem a mesma força das jovens, porque deixamos tudo no campo.
Com os 48 sóis (13,3 dólares) de sua remuneração básica diária, ela deveria pagar as passagens dos filhos que vão à escola, preparar café da manhã, lanches, almoço e jantar para quatro pessoas, além de cobrir suas despesas domésticas regulares. O custo diário de uma refeição saudável para uma família desse tamanho é de 60 sóis (16,4 dólares), de acordo com a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO). Não chega. Os 1.152 sóis (315 dólares) que seriam ganhos mensalmente com a remuneração básica são insuficientes.
No setor de agroexportação, a única maneira de ganhar mais é por meio do trabalho pago por produção, um método que permite cobrar um adicional por cada pé a mais após atingir a cota básica. Bertha e suas companheiras duplicaram suas forças e sua agilidade manual para atingir esse objetivo. Com isso, poderiam ganhar até 500 sóis a mais (138 dólares) por semana, mas, com o ritmo de trabalho atual, ficou mais difícil.
– Nós fazemos o que for preciso para atingir a meta que nos impõem. Não bebemos água, não vamos ao banheiro, porque toma tempo. Um minuto perdido é um pé a menos, um sol a menos que levamos para casa (…) Trabalhamos assim, à custa da nossa saúde. Foi assim que a agroexportação nos mecanizou.

Manuel Olaechea von Sonnenberg, presidente do Comitê de Empresa e Direitos Humanos da Câmara de Comércio de Ica – sindicato que reúne grandes agroexportadoras da região – pede que se evitem generalizações ao se falar desse setor. Segundo ele, há empresas formais que “se vestem de responsáveis”, mas descumprem as normas de saúde e segurança e mantêm seus trabalhadores sem contrato, e são essas que geram conflitos. Com relação à sobrecarga de trabalho, ele garante que as tarefas não são exageradas, pois são estabelecidas com base na produtividade demonstrada pelos trabalhadores. Ele estima que elas sejam concluídas em seis horas ou menos e, no tempo restante, eles trabalham por produção.
– Eu vi gente sair do campo sangrando para ganhar mais, gente que ganha 100, 200 sóis por dia. Gente que se mata de trabalhar para progredir e ganhar mais do que qualquer outro trabalhador rural ou qualquer outro operário do país. Não quero que as pessoas deixem o campo sangrando por trabalhar mais horas; pelo contrário, não quero prejudicar aqueles que trabalham bem para que os que trabalham mal se sintam confortáveis.
– E o que o senhor acha do fato de haver trabalhadores que se esforçam ao ponto de sangrar? – perguntamos.
– Não está certo. E para isso temos equipamentos e pessoal médico, que dizem que eles precisam parar, que precisam ser atendidos porque cortaram o dedo, mas eles se recusam porque querem continuar trabalhando.
– E o senhor não acha que essa dinâmica de trabalho é sustentada pela necessidade e a vulnerabilidade das pessoas?
– Eu não acho. Acredito que a situação de pobreza neste país faz com que as pessoas sejam capazes de qualquer coisa para ganhar dinheiro. E é bom que tenham pelo menos um setor que lhes permita ter acesso a um salário seguro, benefícios sociais e assistência médica; é melhor que trabalhar no garimpo ilegal ou nas plantações de batata, onde a colheita é feita por crianças.

As trabalhadoras com as quais conversamos para esta reportagem sofreram cortes nas mãos devido à velocidade com que precisam usar a tesoura. Duas delas caíram de escadas enquanto podavam árvores, e uma usa joelheiras para aliviar dores nas articulações.
A Lei do Regime Agrário lhes concede assistência de saúde pública por meio do EsSalud, mas Maura Gastelú alerta que alguns trabalhadores rurais preferem não ir a esses centros porque são discriminados e atrasam o atendimento, já que a contribuição paga por seus empregadores, segundo a lei, é menor do que a de outros tipos de empresas.
– O trabalho no campo é muito duro — explica Gastelú. Quando chegam aos 50 ou 55 anos, eles ficam sem trabalho, doentes, com muitas doenças (…) As mais velhas alertam as mais jovens sobre isso, e agora são cada vez mais as que tentam terminar o ensino médio estudando à distância ou se matricular em cursos noturnos de enfermagem.
O turbilhão da produção, o desgaste físico e os maus-tratos sofridos para não perder o emprego deixam mais do que sequelas físicas. Das 145 trabalhadoras entrevistadas por esta instituição, 82% disseram não estar satisfeitas com suas vidas e 41% declararam ter perdido o gosto por viver. Dentro deste último grupo, 33% confessaram já ter pensado em morrer.

Meninos e meninas que se cuidam por conta própria
Neste sistema agroexportador, crianças e bebês são forçados a madrugar com suas mães para ser deixados na casa de cuidadores temporários. As crianças mais velhas ficam até as 7 da manhã, horário em que as escolas começam a abrir. Quando as aulas terminam, são elas que voltam para buscar os irmãos mais novos e voltar para casa.
A caravana de crianças desacompanhadas vagueia pelo areal. Algumas ficam brincando nas ruas, outras correm para chegar lá e requentar a comida que a mãe lhes preparou na noite anterior.
Nesta região, que fatura milhões com a exportação de frutas e hortaliças, 38% das crianças de 6 a 35 meses têm anemia, e 7,3% das menores de 5 anos sofrem de desnutrição crônica. Embora colham aspargos e alcachofras para o exterior, as famílias não os consomem em casa. As mulheres que trabalham no agronegócio não têm tempo de preparar cafés da manhã e almoços nutritivos e adequados às idades dos filhos. Talvez seja por isso que os pequenos, de 2 e 3 anos, resistem a comer o macarrão e o refogado que ficam nas panelas.

As mães e as filhas mais velhas assumem os cuidados. E os pais? Nesses bairros, a maioria deles abandonou o lar e, quando não, trabalham nas agroexportadoras no mesmo regime, sobrecarregando as mulheres com os trabalhos de cuidado. A Pesquisa Nacional de Uso do Tempo (ENUT) de 2024 confirma essa tendência: as mulheres gastam quase cinco horas por dia em trabalho não remunerado, principalmente dando assistência a membros da família, em comparação com uma hora e meia gasta pelos homens.
Marcela é mãe solteira de três filhos: Lucía, 10 anos, Jesus, 6, e Maria, 2. Ela retorna da plantação por volta das 4 da tarde, depois de 12 horas longe de casa, mas, como sua casa já foi assaltada, ela teme pelo tempo em que terá que deixá-los sozinhos. Os ladrões arrombaram a fechadura da porta de compensado e levaram pratos, uma televisão, um celular e um botijão de gás – os pertences mais valiosos da família. Naquela tarde, seus filhos estavam na casa da irmã.
– Antes eu acordava eles cedo e deixava com uma senhora, mas eles choravam. Eles me diziam: “Mamãe, eu quero dormir mais.” Por isso decidi deixar eles sozinhos, para irem direto de casa para a escola (…) Antes de sair, minha filha mais velha liga para um mototaxista de confiança e manda a bebê para a senhora que cuida dela. O meu celular era a única maneira de me comunicar com eles, mas me roubaram.
A vizinha que cuida do bebê de Marcela também acolhe crianças de outras cinco famílias que trabalham na agroexportação e cobra 70 sóis de cada uma por semana (19 dólares).

O Estado peruano oferece serviços de cuidado infantil por meio do programa Cuna Más, como parte de suas políticas públicas de inclusão social, mas as creches não funcionam de madrugada. O atendimento é das 8:00 às 16:30, e é restrito a bebês de 0 a 3 anos. E embora as mães de Ica possam contratar terceiros para cuidar de seus filhos até a abertura da creche, a capacidade é insuficiente: o Cuna Más acolhe apenas 2.480 crianças, das mais de 62 mil menores de 3 anos que vivem nessa região agroexportadora.
Segundo o site da instituição, o distrito de Salas conta com apenas oito creches, apesar de ser formado por uma dezena de assentamentos humanos e núcleos populacionais habitados quase que exclusivamente por trabalhadores do agronegócio, como a região de Barrio Chino. Cada estabelecimento recebe no máximo 20 ou 25 bebês. Marcela tentou matricular a filha em uma das duas unidades perto de casa, mas não há vagas. Solicitamos uma entrevista com um porta-voz do Cuna Más, mas eles não haviam respondido até o fechamento desta publicação.
Em 2014, o Governo Regional de Ica aprovou a Portaria Regional 004-2014-GORE-ICA para promover “áreas de assistência social e creche para o cuidado de crianças nas empresas agroexportadoras da região”. Ulises Mendieta Quispe, atual diretor de prevenção de conflitos da Direção Regional do Trabalho de Ica, explicou que a regulamentação nunca foi implementada. Em 2019, as funções regionais de fiscalização foram transferidas para a Superintendência Nacional de Fiscalização do Trabalho (Sunafil), e a questão se perdeu.

Olaechea von Sonnenberg argumenta que essa necessidade deve ser atendida pelo Estado, mas algumas agroindústrias cofinanciam a operação de creches.
– As propriedades rurais não são lugares adequados para crianças pequenas; há produtos químicos e máquinas pesadas circulando (…) O programa Cuna Más não abre tão cedo, mas foram feitos acordos específicos onde as empresas pagam para que [as creches] possam atender as crianças mais cedo, embora sejam casos excepcionais.
Abuso sexual à espreita
A irmã de Marcela, Pamela, também é cuidadora. Ao engravidar, perdeu o emprego nas plantações de tangerina e encontrou nessa atividade uma maneira de obter renda. Em sua casa inacabada, acolhe crianças de dois a dez anos. Ela as entretém com a televisão e oferece um quarto com brinquedos, a maioria quebrada pelo uso. Não há atividades lúdicas nem de aprendizagem, e o serviço principal é mantê-las sob um teto.
– Há crianças que ficam aos cuidados de vizinhos em quartos alugados ou em esteiras. Elas não são supervisionadas e saem para a rua, fogem. Por aqui você vê criancinhas pequenas andando sozinhas, vestidas só de short, são bebês (…) A qualquer momento vamos ter desgraças ou desaparecimento de crianças… Aqui já teve casos de apalpadelas e estupros… Não se fala porque é um trauma”, diz Pamela em voz baixa.
Estatísticas do Ministério da Mulher e Populações Vulneráveis (MIMP) revelam que, somente em 2024, os Centros de Emergência da Mulher (CEM) de Ica atenderam 318 casos de violência sexual contra menores de 0 a 11 anos. Desses, 46 meninos e meninas foram vítimas de estupro. Entre menores de 12 a 17 anos, o número de agressões sexuais sobe para 678, e o de estupros, para 248.

Las Lomas de Huacachina é um dos 50 assentamentos humanos do setor Tierra Prometida, outro centro de mão de obra agroexportadora de Ica, e faz parte dessa triste estatística. Berenice se lembra daquele dia como “a desgraça”.
– Aqui, a maioria é de migrantes da floresta. Você chega e só pensa em trabalhar. Como poderíamos imaginar que isso aconteceria? A vizinha saía às 4 da manhã, todos os dias… Esse homem provavelmente já estava de olho nela… Eles invadiram a casa dela e estupraram sua filha de 12 anos. Ela era uma menina, estudava na mesma escola que os meus filhos (…) A polícia chegou, a mãe… A menina não aguentou mais. Pouco depois, se suicidou. A desgraça ocorreu há quatro anos.
Berenice tem 34 anos e também é migrante. Mais de uma década atrás, ela deixou a floresta de Ucayali para trabalhar no deserto de Ica, atraída pela possibilidade de ganhar o suficiente para cuidar de seus três filhos. Desde então, vive em Tierra Prometida e se dedica à colheita, limpeza e desfolha da uva.
– Desde que aconteceu a desgraça, muitas de nós, mães, entendemos o perigo. Agora, eu tento alternar os meses em que vou para o campo: um sim e outro não, para passar mais tempo com meus filhos e cuidar deles. Quando não vou, dou um jeito de vender comida e outras coisas… É difícil porque, como migrantes, não temos família nem amigos com quem deixar eles. Estamos sozinhos.

A alta demanda por trabalhadores durante a colheita atrai migrantes da Amazônia e dos Andes, em busca de melhor renda. São homens e mulheres que chegam para trabalhar três meses, mas acabam ficando e trazendo seus filhos.
Eles talvez sejam o grupo mais vulnerável nessa cadeia de produção: sem redes de apoio nem um teto próprio, sofrem maus-tratos e sobrecarga de trabalho para não perder o emprego, enquanto vivem amontoados em quartos de madeira apertados e sufocantes, que alugam por semana. E se forem migrantes venezuelanos, a falta de documentação os torna propensos a acabar em empresas agrícolas informais que não respeitam os horários nem os salários acordados.
Demitidas por engravidar
A entidade responsável por fiscalizar as empresas agroexportadoras e garantir que elas cumpram as leis trabalhistas é a Sunafil. No entanto, o Congresso está debatendo uma nova Lei Agrária que ameaça restringir suas funções. Conhecida como Lei Chlimper 2.0, propõe conceder benefícios fiscais às agroindústrias e limitar a fiscalização, estipulando que 75% das operações e ações de controle sejam voltadas ao setor informal, e apenas 25% às empresas formais.
Carolina Valer Ramos, chefe da Superintendência Regional da Sunafil em Ica, explicou que, nessa região, eles lideram grupos de trabalho multissetoriais onde recebem denúncias de trabalhadores contra empresas formais e informais. Com base nesses relatos, os fiscais visitaram as fazendas para verificar o cumprimento dos contratos, o pagamento de salários e o fornecimento de Equipamentos de Proteção Individual (EPI). Eles também fiscalizam o acesso dos trabalhadores a banheiros, refeitórios e pontos de hidratação em condições adequadas.
– Das 29 ordens de fiscalização e supervisão que processamos em 2024, até dezembro, 20 resultaram em multas, que variam de 20 mil a 130 mil sóis (…) Também recebemos denúncias de assédio sexual por parte de supervisores e demissão de gestantes”, afirma Valer.

Mendieta Quispe, da Direção Regional do Trabalho de Ica, confirmou que, no ano passado, eles prestaram assistência jurídica gratuita a duas trabalhadoras da agroexportação que foram demitidas por estarem grávidas, apesar de isso ser proibido pelo direito internacional e pela Lei de Produtividade e Competitividade do Trabalho. Os casos passaram da conciliação à via judicial.
O medo é o primeiro sentimento das trabalhadoras que engravidam. Berenice conta que algumas de suas colegas usam bandagens para ocultar os primeiros meses de gravidez. Ela mesma teve um quarto filho, que manteve escondido enquanto continuava trabalhando no campo, exposta a pesticidas. Ela diz que fez isso por medo de perder o emprego. Seu filho morreu com três anos de idade, logo após o suicídio da vizinha, mas foi consequência dos problemas congênitos e da paralisia com que nasceu.
– Não podem tratar a gravidez como se fosse uma doença ou uma condição de alto risco. As empresas têm várias funções nas quais podem nos realocar, espaços seguros, como a área de embalagem, mas elas nos demitem para fugir de suas responsabilidades. É por isso que os sindicatos são importantes para nos informar, nos treinar, para conhecermos os nossos direitos e lutar por eles”, diz Silvia, uma das líderes dos sindicatos rurais.
Em 2021, após a Greve Agrária, os trabalhadores do agronegócio formaram sindicatos temáticos, com base no trabalho que realizam nas fazendas, independentemente da empresa a que prestam serviços. Desde então, seu papel não tem sido fácil: mulheres sindicalizadas relatam ter sido banidas de algumas agroexportadoras. Elas dizem que as incluem em uma espécie de lista negra e procuram desculpas para não as contratar. Além disso, suas próprias colegas preferem ficar longe delas por medo, para que os supervisores não os vinculem às suas reinvindicações.

– Desde que participei ativamente da Greve Agrária, várias empresas me fecharam as portas. Minhas finanças foram prejudicadas, minhas amizades… minha vida mudou. Falam de mim como se eu fosse um mau elemento. Não entendem que defender direitos não é errado. Falar não é ruim. Denunciar os problemas que enfrentamos não é errado. Organizar um sindicato não é algo ruim, afirma Silvia.
Para Olaechea von Sonnenberg, os sindicatos não promovem a eficiência, e sim a antiguidade, e em vez de recompensar resultados, buscam garantir empregos permanentes no campo. De sua perspectiva, essa proposta não seria viável devido à natureza sazonal das colheitas. Ao contrário disso, ele acredita que o trabalho agrícola deve ser terceirizado para que o vínculo seja estabelecido com empresas de serviços e não com as agroexportadoras.
– Acho que há muitas coisas que deveríamos estar enfrentando antes de tentar destruir uma indústria que tirou tanta gente da pobreza – acrescenta o empresário.
Em Ica, começou o fim do movimento, a temporada em que não há mais tantas plantações onde trabalhar. Bertha se preparou e comprou uma churrasqueira para fazer espetinhos. Marcela já está acostumada a preparar frango assado e outras comidas, e sai para vendê-las em eventos esportivos e sociais. Silvia tem condromalácia no joelho direito devido a uma queda que sofreu na propriedade, o que limita suas opções para diversificar o trabalho.
Berenice, por outro lado, está esperançosa com o curso de técnica de enfermagem que faz à noite. Está quase terminando o primeiro semestre e se sente confiante de que em breve poderá deixar o campo.
– Quero ver novas oportunidades. Estou fazendo isso pelo bebê que perdi e pelos meus filhos que ainda estão aqui.
Esta reportagem foi produzida com financiamento da Red Labora, uma rede internacional de jornalistas criada pela Repórter Brasil para fortalecer o jornalismo sobre o trabalho nas Américas.